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TESTAMENTOS SÃO EFICAZES?

Nos últimos anos, em razão da pandemia da Covid-19, houve um movimento crescente de lavratura de testamentos. Este é um assunto delicado, que merece toda a atenção.

 

Por meio desses instrumentos jurídicos unilaterais, a pessoa maior e capaz pode dispor livremente de seus bens ou de parte deles para depois da sua morte. Mas uma pergunta costuma surgir e inquietar muita gente: será que os testamentos são realmente eficazes?

 

Nem todo mundo sabe que quem tem herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, pode dispor de apenas metade de seus bens em testamento, pois o Código Civil estabelece que a outra metade constitui a legítima (a parte blindada pela lei brasileira).

 

Esse é um dos casos em que a autonomia da vontade não pode se sobrepor à autonomia privada. É uma regra expressa e imperiosa: a legítima dos herdeiros necessários não pode ser incluída no testamento.

 

Eis aí o ponto mais importante a ser analisado.

 

Sabemos que a avaliação de um bem é algo que pode variar bastante, tanto em razão do mercado quanto em razão de parâmetros pessoais e afetivos de cada um.

 

Há ainda a questão do tempo.

 

Se a pessoa faz um testamento agora e o evento morte ocorre somente em alguns anos, é provável que a metade dos bens, considerada a avaliação na data da abertura da sucessão (morte), não corresponda mais à metade disponível.

 

E os herdeiros? Será que eles vão concordar com o que foi disposto unilateralmente pelo testador? Haverá brechas para questionar em juízo as disposições do testamento? Em todos os meus anos de advocacia contenciosa, foram poucos os testamentos que vi serem cumpridos sem questionamento pelos herdeiros ou legatários. O pior é que o testador não está mais presente para justificar suas determinações.

 

Em razão de tudo isso, um caminho eficaz é reunir os familiares e comunicar suas intenções e desejos, procurando construir consenso para evitar problemas futuros. Conversar sobre assuntos delicados e polêmicos pode evitar muitos conflitos e o testador ainda estará presente para explicar suas razões.

 

E quando os herdeiros não querem falar sobre o assunto?

 

Certa vez, tive o privilégio de atender uma mulher que sempre foi à frente de seu tempo.

 

Artista, culta, viajada, com pensamento rápido e sagaz. Do tipo que não se contenta em levar dúvidas para casa e faz questão de esclarecer os pontos com coragem e clareza de pensamento.

 

Idosa, com marido doente, três filhos adultos e um outro de coração, pretendia deixar tudo organizado para quando não estivesse mais neste mundo.

 

Após vários encontros individuais e em família, constatamos que não seria possível construir um consenso porque alguns dos filhos não queriam tratar do assunto. Falar sobre a morte da mãe em vida doía demais. Então, ela optou pela melhor solução para o seu caso: um testamento particular.

 

Como dizia Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.

 

E essa mulher trabalhou e simplificou. Se o testamento será eficaz? Só o tempo poderá dizer!

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