Brasil já registra 11 casos de agressão contra crianças por hora em 2024
Não há muito o que celebrar quando se fala em violência contra a criança. Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos dão conta de que somente nos primeiros 15 dias de 2024 o País registrou cerca de 271 casos diários de violações de direitos de crianças de 0 a 6 anos (11 por hora).
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, que tem como base o ano de 2022, cresceram os números das diferentes formas deste tipo de agressão. O número de registros criminais de violência não letal contra crianças e adolescentes (0 a 17 anos) em 2022 no Brasil foi de 102.614. Esses crimes incluem abandono de incapaz, abandono material, maus-tratos, lesão corporal em contexto de violência doméstica, estupro, pornografia infanto-juvenil e exploração sexual.
Somente os maus-tratos e lesões corporais no contexto de violência doméstica somaram 22.527 casos em 2022. Do total, 60% desses crimes foram cometidos contra crianças de 0 a 9 anos. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), acidentes e violências representam o maior problema de saúde pública entre crianças e adolescentes em países em desenvolvimento e, conforme estimativas, podem atingir até 1 bilhão de vítimas anualmente em todo o mundo.
Para a médica pediatra e especialista em disciplina positiva, Loretta Campos, fundadora do Espaço Zune, a parentalidade positiva vem ganhando espaço, mas ainda há um caminho desafiador a ser percorrido. “Carregamos muito do que vivenciamos na nossa infância e da forma como fomos criados. Entender que para ser firme é possível ser gentil ainda é um questionamento frequente entre os pais. Mas, acredito sim que a parentalidade positiva vem se fortalecendo ao longo do tempo”, argumenta.
De fato, a violência na primeira infância acontece predominantemente dentro de casa. Os dados apurados por meio do Disque 100 – linha que recebe denúncias de violação de direitos humanos, inclusive envolvendo crianças – apontam que 84% das agressões contra crianças registradas diariamente têm pais, padrastos, madrastas ou avós como suspeitos.
Para a pediatra, é necessário refletir sobre o sentimento que nossa forma de educar causa. Ela ressalta que é possível ter firmeza sem perder a gentileza, posicionamento central na parentalidade positiva. “Jane Nelsen questiona: ‘Por que para educar precisamos fazer com que o outro se sinta pior?’. É possível educar sem agredir física ou verbalmente a criança”, afirma.
Como Loretta explica, é importante entender que por trás de todo comportamento há uma necessidade a ser atendida e isso nos torna mais empáticos com a criança. Além disso, entender a maturação neurológica de cada fase da infância também é fundamental, pois possibilita educar sem diminuir o outro ou desconstruir esse indivíduo, deixando que ele desenvolva plenamente essa maturidade emocional.
A especialista salienta que castigos e punições não têm a eficácia esperada e ainda levam a prejuízos como a desconexão com os pais, gerando sentimentos como raiva, baixa autoestima e medo. Ela reforça que os pais precisam estar conectados com seus filhos para que eles possam sentir segurança e buscar apoio.
“É muito comum ouvir a frase: ‘Eu apanhei e sobrevivi. Virei gente’. Contudo me pergunto se esse indivíduo consegue expressar suas emoções, se precisa sempre agradar ao outro para se sentir amado, se consegue ter uma boa relação com os pais ou se um dia de convívio já gera discussões, como está a sua autoestima. Enfim, carregamos muito da nossa criança interior. Nosso papel como pais na construção desse ser humano organizado emocionalmente é importantíssimo. Por isso, educar é tão desafiador”, pontua.
Por isso, Loretta frisa que a parentalidade positiva demanda mais do que evitar condutas violentas com os filhos. Dentre seus pilares estão ainda a conexão entre pais e filhos, o respeito mútuo, a comunicação não violenta e efetiva, a responsabilidade e autodisciplina, a solução de problemas e cooperação. “A geração dos nossos filhos hoje traz a internet, o acesso rápido a informações, o uso de eletrônicos, a mãe muitas vezes ativa profissionalmente. É preciso também nos permitir pensar ‘fora da caixa’ para que a nova realidade não comprometa a saúde emocional dessa família”.
A melhor forma de manter a firmeza sem perder a gentileza e recorrer a atitudes violentas, é ouvir as necessidades da criança. A especialista explica que tanto o pediatra, que é o médico da família, e precisa interpretar as queixas da criança para compreender o ambiente familiar, como os pais precisam praticar a escuta ativa. Com ela, é possível saber a razão da mudança de comportamento e até avaliar a necessidade de buscar o suporte de outros profissionais como psicólogos, por exemplo.
Por fim, Loretta reforça que não existe um manual a ser seguido e recomenda a busca de muita informação, grupos de pais e mães, palestras ou mesmo a leitura de livros. “Não nascemos pais, aprendemos a ser. Como todo aprendizado, é preciso buscar o conhecimento. Na parentalidade isso não deve ser diferente”, completa.