Estudo inédito aponta Brasil como o país mais miscigenado do mundo e revela impactos diretos na saúde pública
Diversidade genética exige políticas públicas personalizadas e equitativas na saúde; médico comenta pesquisa
O Brasil é oficialmente o país mais miscigenado do mundo — e isso tem implicações diretas para a saúde pública. Prova disso é o estudo inédito liderado pela Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Science, que revelou que o genoma médio da população brasileira é composto por cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena. A análise, feita com base em 2.723 genomas de brasileiros de diferentes regiões, identificou mais de 8 milhões de variantes genéticas inéditas.
Segundo o médico nutrólogo e intensivista Dr. José Israel Sanchez Robles, os dados reforçam a necessidade urgente de um novo olhar sobre a medicina no país. “Reconhecer a diversidade genética do Brasil é apenas o primeiro passo. É essencial transformá-la em políticas de saúde que respeitem, incluam e atendam às especificidades de cada ancestralidade”, afirma.
As implicações práticas são significativas. Segundo especialistas, condições como hipertensão resistente, anemia falciforme e certos tipos de câncer ocorrem com mais frequência entre pessoas de ancestralidade africana. Já populações indígenas apresentam maior vulnerabilidade ao diabetes tipo 2, infecções e distúrbios nutricionais. Indivíduos com herança europeia, por sua vez, têm maior propensão a doenças autoimunes, como esclerose múltipla e doença celíaca.
“A medicina de precisão, que considera fatores genéticos, representa uma revolução necessária — mas ainda distante da realidade da maioria dos brasileiros”, observa José Israel. “O desafio não está apenas no DNA, mas no acesso. Grupos historicamente marginalizados seguem enfrentando subdiagnóstico, dificuldades para realizar exames genéticos e exclusão dos protocolos clínicos”, continua ele.
Para o médico, a pesquisa da USP deve servir como base para uma política pública mais eficaz. “É necessário estabelecer diretrizes que preparem o sistema de saúde para lidar com essa complexidade. Isso envolve ampliar os bancos de dados genômicos, assegurar a inclusão de todas as etnias em estudos clínicos e capacitar profissionais para interpretar essas informações com responsabilidade.”
José Israel defende que o Brasil, com sua diversidade genética singular, tem potencial para liderar um novo modelo de saúde pública — mais equitativo e personalizado. “O genoma brasileiro é um mosaico. E cada peça desse mosaico merece atenção. A medicina do futuro será aquela que enxergar cada cidadão como único, e não como uma estatística genérica”, afirma.
A miscigenação, frequentemente valorizada apenas como expressão cultural, revela-se também um desafio científico e uma oportunidade para repensar estruturalmente o cuidado à saúde. Cabe ao Brasil transformar esse conhecimento em ação concreta