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Médico explica como a obesidade altera o desejo por comida

Especialista explica estudo inédito que identifica um biomarcador neural do “ruído alimentar” — e como medicamentos como a tirzepatida podem silenciar os desejos compulsivos

Uma pesquisa publicada na revista Nature Medicine está reformulando o entendimento científico sobre os efeitos da obesidade no cérebro — e ajudando a explicar por que indivíduos com compulsão alimentar vivenciam pensamentos persistentes e intrusivos relacionados à comida. Pela primeira vez, o estudo identificou um biomarcador neural associado ao chamado “ruído alimentar”, definido por um aumento na atividade elétrica de baixa frequência no núcleo accumbens, área cerebral envolvida nos circuitos de prazer e recompensa.

A descoberta aconteceu enquanto pesquisadores avaliavam o impacto da estimulação cerebral profunda em pessoas com obesidade severa. A surpresa veio quando uma das participantes, que havia iniciado o uso da tirzepatida (Mounjaro/Zepbound), simplesmente deixou de apresentar sinais de compulsão. Junto com isso, os eletrodos mostraram um “silêncio” incomum na região cerebral.

Para o médico nutrólogo e intensivista Dr. José Israel Sanchez Robles, a descoberta representa uma oportunidade estratégica para o avanço das intervenções terapêuticas em obesidade. “É a primeira vez que conseguimos demonstrar, de forma objetiva, como a obesidade modifica a resposta neural ao alimento”, explica. Ele destaca que o ruído alimentar atua como um marcador fisiológico da compulsão: “Isso reforça que não se trata apenas de uma questão de força de vontade. Estamos diante de um circuito cerebral hiperativo que perpetua o comportamento compulsivo alimentar.”

Nos meses seguintes, porém, o biomarcador voltou a ser detectado — e, logo depois, os episódios de desejo compulsivo também reapareceram. Para os pesquisadores, isso pode indicar o desenvolvimento de tolerância ao fármaco ou uma possível dessensibilização dos receptores de GLP-1. Segundo o Dr. José Israel Sanchez Robles, o fenômeno é compatível com o que já se conhece sobre neurofarmacologia. “Intervenções que atuam diretamente em receptores cerebrais sempre carregam o risco de adaptação do sistema neural. É natural que o organismo busque restabelecer seu padrão anterior de funcionamento”, observa.

A observação reforça a importância de estratégias integradas no tratamento da obesidade, combinando intervenções farmacológicas e modificações comportamentais sustentadas. “O medicamento pode, de fato, atenuar o ruído alimentar, mas o cérebro mantém a memória desse padrão de ativação”, destaca o Dr. José Israel Sanchez Robles. “Por isso, acompanhamento contínuo, hábitos estruturados e suporte médico especializado são componentes indispensáveis para resultados duradouros”, conclui.

Diante dos achados, os pesquisadores defendem agora o desenvolvimento de fármacos que atuem de forma específica sobre o ruído alimentar — e não apenas sobre a perda de peso. O estudo também reforça uma premissa já bem estabelecida na literatura científica: a obesidade é um distúrbio complexo, de base neurobiológica e multifatorial. Superá-la exige mais do que restringir calorias — exige compreender, de fato, como o cérebro regula o comportamento alimentar.

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