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Cuidado não se programa

A inteligência artificial (IA) vem transformando diversos aspectos da vida moderna — incluindo a forma como praticamos medicina. De modo promissor, já contribui para diagnósticos mais ágeis, análises de imagens com maior acurácia e até no desenvolvimento de fármacos. No entanto, é fundamental distinguir o uso da IA como ferramenta de apoio da tentativa de substituição da prática médica por algoritmos ou autodiagnósticos digitais

É inegável que sistemas avançados, criados por grandes empresas de tecnologia, têm demonstrado capacidade de identificar patologias complexas com elevado grau de precisão. Ainda assim, a eficiência de um algoritmo não equivale à compreensão integral do paciente. A inteligência artificial não reconhece antecedentes emocionais, nuances clínicas individuais nem o impacto dos determinantes sociais sobre a saúde de cada pessoa.

A utilização indiscriminada dessas tecnologias por pacientes, sem supervisão profissional — como ocorre com aplicativos que propõem “diagnósticos” ou com o uso irrestrito de buscadores para questões médicas — representa um risco real. Uma interpretação equivocada, uma automedicação inadequada ou a omissão de sinais de alerta pode resultar em desfechos adversos. Medicina não é uma ciência exata com respostas únicas.

Reconhecer a IA como aliada da medicina, e não como sua substituta, é essencial. Profissionais sobrecarregados podem se beneficiar de sistemas que auxiliem na organização de dados clínicos, cruzamento de informações e formulação de hipóteses diagnósticas. Contudo, a decisão clínica deve permanecer sob a responsabilidade de quem possui a formação necessária para avaliar o contexto e arcar com suas implicações.

A formação médica, por sua vez, também precisa se atualizar. O médico contemporâneo — e o do futuro — deve conhecer não apenas os fundamentos da fisiopatologia, mas também compreender os limites da tecnologia, os riscos de vieses algorítmicos e os dilemas éticos do ambiente digital. Mesmo diante da sofisticação tecnológica, a centralidade do cuidado humanizado precisa ser mantida.

A IA tem potencial para transformar a prática médica. Mas ela ainda não escuta com empatia, não compartilha da angústia de um diagnóstico e não responde legalmente por uma falha. Enquanto isso permanecer assim — e talvez sempre permaneça —, o papel do médico continua sendo indispensável. A tecnologia pode ser poderosa, mas não cura sozinha.

José Israel Sánchez Robles é médico intensivista e nutrólogo

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